Sono, sonhos e distúrbios

Os animais possuem diferentes necessidades em suas quantidades diárias de sono. Possivelmente, durante o sono, nosso organismo repõe as energias e organiza nossa memória. O sono é dividido em cinco estágios que são induzidos e influenciados por diversos hormônios. Durante um destes estágios é que ocorrem os sonhos. Quando os níveis hormonais estão desbalanceados, devido a diversos fatores, tais ciclos do sono são alterados podendo levar a alguns distúrbios como a insônia.

Sono

O sono pode ser definido como um estado de inconsciência da qual a pessoa pode ser despertada através de algum estímulo. É diferente da inconsciência característica do coma, por exemplo, quando a pessoa não pode ser despertada. Passamos cerca de 1/3 da nossa vida dormindo, o que demonstra o quão importante é ter uma rotina de sono saudável. A seguir, discutiremos os principais mecanismos e a importância do sono e sonhos, e então focaremos nos distúrbios de sono mais comuns.

Os mecanismos do nosso corpo que levam ao sono ainda não foram totalmente explicados, porém, acredita-se que a estimulação do tronco cerebral, em uma área chamada núcleos da rafe, esteja relacionada à indução do sono. Nessa região ocorre a liberação do hormônio serotonina. Admite-se que a serotonina seja a principal substância associada à produção do sono. Além da serotonina, outro hormônio também relacionado ao sono é a melatonina, produzida pela glândula pineal e que apresenta seu pico máximo de liberação nas primeiras horas da noite. Por isso, esse pico de melatonina é conhecido como um dos “portões de entrada” para o sono. Caso a pessoa force ficar acordada durante esse momento, perde a entrada do sono e pode então ter dificuldades para adormecer depois.

Durante o sono, ocorre uma repetição de ciclos, cada um durando aproximadamente de 90 a 110 minutos. Em uma noite de 8 horas de sono temos, portanto, cerca de quatro a seis ciclos de sono. Cada ciclo de sono é dividido em duas categorias: sono NREM e sono REM.

O sono NREM se inicia quando caímos no sono e é responsável por 75% da noite, sendo extremamente repousante. Essa categoria é assim chamada pela não ocorrência de “movimentos rápidos dos olhos” (em inglês, “non rapid eye moviments” ou NREM), como será visto posteriormente. É subdividido em quatro estágios:
  • Estágio 1: entre a sonolência e o início do sono. É o chamado “sono leve”, porque podemos ser acordados facilmente neste estágio;
  • Estágio 2: após 10 minutos do sono leve, entramos no estágio 2, quando começamos a nos desligar do que está em volta. A respiração e o batimento cardíaco começam a diminuir, e a temperatura corporal também cai;
  • Estágio 3 e 4: sono mais profundo e reparador. É neste momento que alguns hormônios são liberados, incluindo o hormônio do crescimento, necessário para o crescimento e desenvolvimento do organismo. Portanto, dormir realmente contribui para o crescimento, especialmente em crianças e adolescentes. É durante o estágio 4 que algumas crianças têm episódios de pesadelos e de urinar na cama.
O sono REM, responsável por 25% da noite, é assim chamado pela ocorrência de “movimentos rápidos dos olhos” (em inglês, “rapid eye moviments” ou REM). Possui uma duração de 5 a 30 minutos, ocorrendo ao final de cada sono NREM. O sono REM apresenta características muito interessantes, entre elas:
  • Atividade cerebral intensa: a atividade do encéfalo aumenta em cerca de 20%, e as ondas cerebrais do sono REM se assemelham muito ao estado acordado. Devido a este estado é que ocorrem os movimentos rápidos dos olhos. Isso é importante, pois demonstra que o sono não é um estado no qual o cérebro pára ou simplesmente relaxa;
  • Os músculos são fortemente inibidos; a respiração e pressão arterial aumentam;
  • É durante o sono REM que acontece a maioria dos nossos sonhos. No sono NREM também podem ocorrer sonhos, no entanto, a diferença é que os sonhos da fase NREM não são lembrados, enquanto que somente no sono REM os sonhos são consolidados na memória e podem então ser recordados.
A quantidade de horas necessárias para uma boa noite de sono varia muito de pessoa para pessoa, e também nos grupos animais. Em média, adultos requerem cerca de sete a oito horas de sono. Embora o período do sono seja extremamente importante para o correto funcionamento do organismo, não existe uma quantidade exata de sono para todas as pessoas. Segundo Jim Horne do Loughborough University's Sleep Research Centre, “a quantidade de sono que nós precisamos é aquela necessária para que não fiquemos sonolentos no dia”.

Diferentes necessidades diárias de sono:
  • Serpente: 18h;
  • Tigre: 15,8h;
  • Gato: 12,1h;
  • Chimpanzé: 9,7h;
  • Ovelha: 3,8h;
  • Elefante: 3,3h;
  • Girafa:1,9h;
  • Homem (adulto): 7h - 9h;
  • Homem (criança): 12h - 18h.
O propósito do sono ainda não está claro. No entanto ele deve ter alto valor, porque uma grande parte da vida é gasta no sono e porque a falta de sono pode ser muito debilitante, como veremos. Uma das hipóteses é a de que o sono se destina à recuperação, pelo organismo, de um possível débito energético estabelecido durante a vigília. Outras hipóteses atribuem ao sono, especialmente ao sono REM, a função de permitir a recarga de estoques de substâncias que intervém na transmissão de informação no sistema nervoso, rearranjar funcionalmente a memória e sedimentar o aprendizado. 

A afirmação de que se pode aprender dormindo foi desmistificada perante experimentos, entretanto, estudos mostram que palavras apresentadas antes do sono são mais facilmente aprendidas. A memorização é tanto mais beneficiada pelo sono quanto menor é o intervalo entre a apresentação do que se pretende aprender e o início do sono. Apesar de ainda não haver consenso sobre o valor específico do sono, podemos atribuir à importância de restaurar o equilíbrio do sistema nervoso central.

Sonhos

Uma vez que um adulto normal tem de quatro a seis ciclos de sono por noite, e que cada ciclo contém uma fase de sono REM, sabe-se que podem ocorrer de quatro a seis episódios de sonho cada noite.

Os sonhos são produzidos a partir de informações memorizadas, que se recombinam de forma a gerar, na maior parte das vezes, um enredo. No entanto, os mecanismos e sistemas de memória que são ativados nos sonhos ainda permanecem incertos. Acredita-se que memórias de eventos reais do dia-a-dia têm estreita relação com os elementos dos sonhos, embora nem sempre o sonho seja uma reconstrução fiel do acontecimento vivido. Dessa forma, quando falamos com um antigo amigo por telefone e na mesma noite sonhamos que estamos navegando juntos, por exemplo, os elementos do sonho têm relação com o acontecimento memorizado, mas não remete a uma situação real em sua totalidade.

Um aspecto interessante dos sonhos é o fato de serem constituídos, geralmente, por elementos de caráter visual, auditivo, verbal e emocional. No caso do homem, os movimentos oculares da fase REM revelam uma maior ocorrência de sonhos de conteúdo visual. No entanto, a ocorrência desses movimentos pode não estar diretamente associada com a formação de imagens. Isso porque em recém-nascidos e cegos tais movimentos também são verificados, o que pode relacionar-se com o fato de que a visão é a principal via de recepção sensorial do homem para a exploração do ambiente. No cão, onde a principal via de percepção é o olfato, durante o sono, eles podem apresentar movimentos do focinho, como se estivessem farejando algo.

A função dos sonhos ainda não foi completamente compreendida. No entanto, evidências apontam para sua importância na reorganização sináptica, aliviando a tensão acumulada nesses espaços devido à constante estimulação do período de vigília. Essa saturação poderia tornar as sinapses inaptas para a aquisição de informações novas. Os sonhos então ajudariam na manutenção do equilíbrio de regiões cerebrais envolvidas com memória, aprendizado e funções psíquicas. Outra hipótese, por outro lado, acredita que sonhamos não com as memórias que estão sendo consolidadas, mas com aquelas que estão sendo apagadas. Segundo Francis Crick e Graeme Mitchison, o sono REM é necessário para a eliminação de informações erradas ou inúteis armazenadas no cérebro.
Fatos interessantes sobre os sonhos:
  • Os sonhos possuem um enredo;
  • Geralmente os sonhos são egocêntricos, quase sempre envolvem você;
  • Estímulos externos, como barulho, podem ser incorporados ao sonho. Relaciona-se com o fato de que o limiar de resposta a estímulos diminui principalmente próximo ao despertar. 
  • Duração média do sonho: 5 a 20 minutos;
  • A frequência de sonhos aumenta progressivamente nos ciclos de sono. Isso explica porque nos lembramos mais do ultimo sonho, uma vez que no ultimo ciclo a atividade onírica (criação dos sonhos) é mais intensa. 
  • Geralmente ocorre a interligação de sonhos de vários ciclos de uma mesma noite, bem como de episódios de noites recentes. Isso explicaria o fato de que quando lembramos dos nossos sonhos eles parecem desconexos, pois lembramos fragmentos de vários sonhos;
  • A recapitulação do sonho (lembrança do sonho) é variável:
  • São memorizados apenas quando despertamos durante sua ocorrência ou nos primeiros 10 a 15 minutos depois de seu término;
  • Quanto mais longo é o período REM, maior a possibilidade de recapitulação do sonho;
  • Quanto maiores os aspectos afetivos envolvidos no sonho, maior a chance de recapitulação.
Distúrbios do sono

A seguir serão descritos os principais distúrbios relacionados ao sono, bem como seus principais sintomas e tratamentos.

Insônia

Insônia é a condição caracterizada por dificuldade em pegar no sono, continuar dormindo após pegar no sono ou acordar muito cedo pela madrugada. Pessoas com insônia podem apresentar cansaço e sonolência durante o dia, assim como dificuldade de atenção e concentração na escola e no trabalho. A insônia pode afetar pessoas de todas as idades, e pode ser classificada em :
  • Transitória: dura até quatro semanas; 
  • Aguda: dura de quatro semanas a seis meses; 
  • Crônica: dificuldade para dormir todas as noites ou a maior parte das noites por mais que seis meses.
As principais causas de insônia estão atribuídas à:
  • Estresse: preocupações com trabalho, família, saúde, escola podem impedir a pessoa de relaxar e conciliar o sono; problemas de relacionamento, dificuldade nas relações afetivas;
  • Ansiedade:  ansiedade severa, bem como ansiedade relacionada com o dia-a-dia, podem manter a pessoa alerta causando dificuldades para dormir; 
  • Depressão:  pessoas com depressão podem dormir demais ou ter dificuldades para dormir; 
  • Uso de remédios:  alguns medicamentos podem causar insônia em algumas pessoas, dentre eles: remédios para reduzir a pressão arterial; corticóides; anti-depressivos; remédios para perder peso; anti-alérgicos; remédios para gripe (descongestionantes); remédios para asma; 
  • Fatores ambientais: barulho (tráfego, aviões, televisão, fábrica); luz; 
  • Uso de certas substâncias contendo: cafeína, álcool,nicotina;
  • Irregularidade de horários: mudanças de horário e períodos de trabalho, principalmente à noite, podem levar à insônia. Estabelecer uma rotina é um fator importante para evitar a insônia;
  • Inatividade física:  pessoas com estilo de vida sedentário podem apresentar dificuldades para dormir.
O médico normalmente diagnostica insônia baseado na história médica e de sono do paciente, no exame físico e, se a causa da insônia não for clara, pode fazer um estudo do sono do paciente que é chamado de polissonografia. Independente da causa que leva uma pessoa à insônia, dormir menos e mal pode afetar o indivíduo física e mentalmente. O efeito é cumulativo e pessoas que sofrem de insônia têm maior pré-disposição para desenvolver doenças mentais, assim como doenças crônicas, tais como hipertensão e diabetes. Além disso, má qualidade do sono pode levar a acidentes sérios e fatais.

O tratamento contra a insônia consiste basicamente em mudanças no estilo de vida, visando produzir hábitos saudáveis que facilitem pegar no sono e continuar dormindo, e evitem situações e substâncias que levam à dificuldade para dormir. Sendo assim, estabelecer uma rotina de sono, ir para a cama no mesmo horário todas as noites e evitar exercícios físicos e atividades que despertem, como televisão e computador, podem auxiliar e contribuir para uma melhor higiene do sono.

Apneia e ronco

Apneias são interrupções da respiração por mais de 10 segundos. Durante o sono, um pequeno número de apneias, geralmente de 7 a 20 por noite, pode aparecer em indivíduos normais, mas podem acarretar em problemas quando ocorrem com freqüência maior que cinco apneias por hora. Os principais indicativos de um paciente que sofre de apneia obstrutiva são ronco e sonolência. O ronco indica a obstrução da garganta, causando vibrações e ruídos, e a sonolência é conseqüência dos múltiplos despertares para voltar a respirar. 

A apneia pode ser um distúrbio provocado por alterações anatômicas e a diminuição de atividade dos músculos dilatadores da faringe. Dentre as alterações anatômicas podem estar o aumento das adenóides e amígdalas - fatores principais de distúrbios na infância. Em adultos uma pequena parte pode ter comprometimento anatômico óbvio como pólipos nasais e anormalidades cranioencefálicas. A obesidade é um fator importante, agravando o quadro da apneia. Essas alterações levam ao estreitamento das vias respiratórias superiores gerando as apneias.

O tratamento para a apneia abrange higiene do sono, emagrecimento, medicamentos, aparelhos intra-orais e em alguns casos cirurgia.

Bruxismo

O Bruxismo é definido como um distúrbio caracterizado pelo ranger ou apertar dos dentes (como uma mastigação) durante o período de sono. Sua causa ainda não foi definida completamente, porém, durante o bruxismo, as forças realizadas sobre a musculatura mastigatória e os dentes são excessivas produzindo sintomas musculares e dentais, tais como: dor facial atípica, desconforto muscular principalmente ao morder, dores de cabeça, desgaste dos dentes e danos às gengivas. Um sintoma típico é o desgaste do esmalte dos dentes. É por isso mesmo que, em geral, é o dentista que detecta primeiramente o bruxismo.

O tratamento mais recomendado é o aparelho intra-oral confeccionado com resina acrílica chamado placa miorrelaxante. Esse tipo de tratamento proporciona uma posição articular estável, protegendo os dentes e toda a estrutura de suporte dos mesmos (gengivas, maxilares, etc).

Curiosidades - Bocejo

O bocejo é uma ação involuntária na qual se abre a boca para respirar maior quantidade de ar. Acredita-se ser involuntário porque, até antes do indivíduo nascer (cerca de onze semanas) os fetos bocejam. Embora se acredite que o bocejo esteja relacionado com a fadiga, pesquisas recentes demonstram o oposto. Há varias explicações para o motivo do bocejo:
  • Física: Boceja-se para conseguir maior quantidade de oxigênio e eliminar mais dióxido de carbono. Isso explica o bocejo quando se está em grupo. Como uma maior quantidade de indivíduos produz mais dióxido de carbono o bocejo permite maior entrada de ar para adquirir quantidade suficiente de oxigênio;
  • Evolução: O bocejo começou nos ancestrais para mostrar os dentes e intimidar;
  • Tédio: A definição trás que a fadiga e o tédio são a causa do bocejo. Porém, isso não explica o por que de muitos atletas bocejarem antes de uma competição.
Ainda não se sabe ao certo os verdadeiros motivos do bocejo, mas uma coisa que se sabe é que bocejar não é algo limitado ao homem. Cachorros, gatos e até peixes bocejam, o que leva à ideia de que o bocejo é alguma forma de comunicação.

Muitos dos bocejos contagiosos são causados por sugestão, ou seja, boceja-se quando se vê alguém bocejando, uma espécie de “inveja” pelo outro estar relaxando. Porém, bocejo contagioso vai muito além da mera sugestão. Estudos recentes mostram que o fenômeno está relacionado com a tendência de empatia, capacidade de entender e se conectar com os estados emocionais dos outros.

Curiosidades – Sono nos golfinhos

Uma pergunta que podemos nos fazer é “Por quê os golfinhos não se afogam quando dormem?” Estudos mostraram que algo muito interessante e curioso acontece nesses mamíferos aquáticos. 

Durante o sono, enquanto metade do cérebro permanece atuando normalmente em estado de vigília, a outra metade dorme. Dessa forma, a metade que comanda a respiração e demais funções vitais permite ao golfinho dormir sem se afogar, mesmo estando debaixo d’água. 

Referências consultadas

GUYTON, A. C. Tratado de fisiologia médica. 9º Ed, Guanabara Koogan, 1996.

National Sleep Foundation. How sleep Works. Disponível em: <http://www.sleepfoundation.org/category/article-type/how-sleep-works>

BBC. What is sleep. Human body and mind. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/science/humanbody/sleep/articles/whatissleep.shtml>

Banco de Saúde. 
Banco da Saúde. Insônia e problemas do sono. Disponível em : < http://www.bancodesaude.com.br/canal/ins%C3%B4nia-e-problemas-do-sono>

Sono, Clínica do Sono. Insônia. Disponível em : < http://www.sono.com.br/?page_id=20>

Sono, Clínica do Sono. Apneia do sono. Disponível em : < http://www.sono.com.br/?page_id=15>

Yawing contagious yawning indicates empathy (Catriona Morrison, University of Leeds, England) - British Association’s Festival of Science in York – 2007.